ESSA MULHER ORIENTAL

Ida Vicenzia


        Cada vez mais tinha a sensação de despertar num passado remoto. Nas horas em que ficava entregue a si mesma, e que eram muitas, seu olhar dirigia-se para aqueles vultos, pintados com tanto engenho na porcelana. Ao mesmo tempo em que se deliciava em sua contemplação, extraia do vaso, com toques delicados, um som que lhe recordava sinos distantes: Tlon!...tlon!..tliiin!. A porcelana respondia ao contato de seus dedos. Em cima da mesa ele dominava, redondo e colorido, com seus desenhos graciosos. Um mandarim e sua mulher ladeados por dois secretários. Obra-prima da dinastia Ming, aquele vaso a fazia lembrar de seu palácio quando, como aquela mulher ali desenhada, era a dona absoluta de seus domínios, noiva do imponderável, senhora do mundo. Nos dias atuais tem uma casa, mas somente o filho é que parece um príncipe. Um filho que a cada dia fica mais bonito. “De uma beleza oriental”, ela diria. Para completar o quadro de felicidade, um marido bom e generoso. Mas ela não pode fugir a uma sensação estranha, um sentimento de desconforto, de angústia, como se estivesse no exílio.
        A cada dia a cena se repete. O filho vai para a escola, de mãos dadas com a empregada. Antes de sair, dá-lhe um beijo. A porta se fecha atrás dos dois e ela volta a seu palácio no fundo do vaso de porcelana. É uma sensação perturbadora. Estaria ficando louca? Olha, e se vê refletida. É outra, e é ela mesma, recostada em almofadas coloridas, vestindo um quimono vermelho. Não é mais a figura delicada do desenho original. Olha, e o que vê agora é uma mulher em fogo, lasciva, sensual. Os traços são os de seu próprio rosto, e isso a fascina.
        Agora, nesse momento, a campainha toca. Sente-se despertar de um sonho. A campainha toca uma, duas, várias vezes. Dirige-se para o espelho e ajeita, apressada, os cabelos. “Tudo não passa de uma ilusão, não há palácio, não há princesa. Como é possível que tenha se tornado tão real?”
        Seu rosto está descomposto. Olhos muito abertos, assustados. “Meu marido tem razão, pareço uma mulher doente”. Suspira. Encaminha-se para a porta, entreabre-a, cautelosa. É a sua amiga que vem para o chá. Tinha esquecido da visita. O encontro nas profundezas de seu palácio, sobre almofadas sensuais, teria que ser adiado. Sentiu vontade de chorar. Era só o que faltava. Chorar! A amiga diria, com toda a certeza: “Você está estressada, querida!” Era essa a frase certa, a senha que usavam para espantar os fantasmas. Ela não a queria ouvir. Não novamente. Recebeu a amiga cordialmente, aparentou até uma certa alegria. Dirigiram-se para a sala, onde a copeira deixara o chá preparado, com seus bolos e biscoitos. Ofereceu à amiga uma poltrona confortável. Evitou olhar o vaso chinês que a aguardava com todo o seu mistério. Concentrada, ajustou seu quimono vermelho e começou a servir o chá. Com delicadezas de gueixa.